sábado, 16 de maio de 2009

DINAMISMO CULTURAL

I. INTRODUÇÃO

A presente abordagem pretende englobar todo o processo cultural tendo como objectivo central mostrar que as culturas estão sempre em mudança. Mesmo aquelas culturas que parecem estabilizadas e inertes, também elas estão em permanente movimento. É nossa intenção traçar as linhas gerais do comportamento das culturas.
Toda cultura poderá ser considerada entre dois extremos: um estado de estabilidade (funcionamento) e outro de mudança (transformação).
Daí nasce um movimento repetitivo que corresponde ao simples funcionamento, por um lado; e por outro, o funcionamento se transforma, o que vale dizer, que a própria unidade mudou de forma (a estrutura social, a organização social mudou).
Interessa saber como a estabilidade institucional é mantida. Abordaremos, então, a cultura institucionalizada com o processo correspondente, isto é, a enduculturação ou enculturação. O aspecto sincrónico da cultura.
Na segunda parte abordaremos o aspecto diacrónico da cultura, a mudança cultural, com os processos que lhe são próprios: descoberta, invenção, difusão, aculturação.


II. CONCEITO DE CULTURA

Cultura é um conjunto complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes e várias outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade. Incluis, pois, todo o comportamento humano.
De acordo com DE NAPOLI (1985/86: p. 1), “cultura é um conjunto de significado de valores partilhados e aceites por uma comunidade”. Resumindo, é a maneira de viver de um grupo humano, valores e comportamentos.

III. DINAMISMO CULTURAL

A cultura pode ser dinâmica ou estável.
Ela é estável (identidade, tradição) enquanto se sublinha a tradição e a institucionalização de padrões de comportamento. Tradição não significa repetição (BOKA DI MPASI, 1986).
De acordo com MARTINEZ (2003: p. 42), a cultura é dinâmica pois este em constante transformação, obedecendo os seguintes aspectos:
Ø Lei de vida: a cultura muda, como um ser vivo (exemplo do corpo…); as mudanças podem ser pequenas ou grandes, despercebidas ou violentas;
Ø Mudanças despercebidas: a própria natureza da aprendizagem lhe determina uma transformação lenta;
Ø Mudança consciente: a cultura também experimenta a mudança desejada e consciente;
Ø Mudanças violentas: encontros culturais: a mudança ocorre em razão de novas necessidades provocadas pelas novas situações.

ASPECTOS SINCRÓNICOS: ENCULTURAÇÃO

De acordo com MARTINEZ (2003: p. 51), citando BERNARDI, enculturação é um processo educativo pelo qual os membros de uma cultura se tornam conscientes e comparticipantes da própria cultura.
HERSKOVITS, citado por MARTINEZ (2003: p. 51), diz que enculturação são os aspectos da experiência de aprendizagem que distinguem o homem das outras criaturas e por meio dos quais, inicialmente, e mais tarde na vida consegue ser competente em sua cultura.

Aspectos Gerais

Estabilidade Sócio-Cultural
Os estudiosos (antropólogos e sociólogos) ao tentarem explicar o porquê da estabilidade sócio-cultural das populações, concluíam que as mesmas são dirigidas por uma normativa garantizada pelas sanções sociais.

Estabilidade Normativa
As normas sociais (usos e costumes e as leis) são impostas aos membros da sociedade; é necessário ter em conta a distinção entre pessoa e padrão (igual a norma), entre sociedade e cultural.

Função de Controlo Social
Consequentemente, a cultura teria como uma das suas funções mais importantes a do controlo social, tendo em vista o funcionamento da sociedade.

Carácter Institucional
É possível constatar o carácter institucional padronizado, repetitivo e relativamente fixo da cultura; podemos constatá-lo nos usos, costumes e leis de um determinado grupo; o mesmo acontece na linguagem e na simbologia: temos modos consagrados, estáveis, de agir e de dizer as coisas; a própria comunicação entre os membros de um determinado povo exige um padrão bastante fixo de símbolos, de modo a permitir a compreensão das mensagens.

Padrões de Comportamento
A manutenção de padrões de comportamento atende à necessidade de prover à sobrevivência das populações.
Seria exagerado afirmar que a cultura é a única responsável pela manutenção da estabilidade da sociedade ou do convívio social (exemplo dos animais que vivem em convívio amigável sem eles serem depositários de cultura). Devemos reconhecer que seria superestimar o carácter normativo e continuista da cultura, atribuindo-lhe a exclusividade nesta tarefa.


Processo de Enculturação
A criança, ao nascer, tem um comportamento 100% biológico. Mas logo passa a receber o impacto da cultura. Dão-se os seguintes passos:

Assimilação: Assimilação de comportamentos padronizados que a criança observa à sua volta.
Conformação: a tendência é absolver o máximo de cultura e conformar o comportamento a ela.
Aprendizagem dos símbolos: aprender todo dispositivo simbólico que lhe permitirá à criança comunicar-se com os outros membros da sociedade e tornar-se apta para o processo intelectual, sensitivo e volitivo.
Aquisição de hábitos: adquire hábitos e costumes, disciplinará seus movimentos biológicos e sofrerá uma mudança progressiva que transformará seu comportamento de 100% biológico até ao ponto máximo de 100% cultural. Mas nenhum ser alcança tal extremo, embora todos os recém-nascidos seguem o rumo indicado, do nascimento à maturidade.
Interpenetração: no homem, todos os fenómenos inorgânicos, biologicoe e psicológicos estão marcados pelo selo da cultura; dá-se uma interpenetração de todos eles; e não é fácil distinguir até aonde vão uns e outros; todos esses fenómenos tornam-se humanos, isto é, fenómenos especiais e típicos da vida humana conformados pela cultura.
Duração: o processo da enculturação estende-se por toda vida do indivíduo e apresenta variações e intensidades diversas:
Ø Na infância: revestem-se de muita importância as primeiras experiências e contactos com a cultura (os condicionamentos fundamentais, tais como comer, dormir, falar, etc.); com este processo a criança vai modelando a sua personalidade;
Ø Na idade adulta: o processo torna-se mais consciente, pelo que pode dar-se a aceitação ou a repulsa.
A endoculturação é muito importante para tornar o indivíduo membro ajustado à sociedade. Rigorosamente, o processo que estudamos, especialmente nos primeiros anos, reveste-se de um carácter impositivo, isto é, a cultura sobrepõem-se ao indivíduo: os recém-nascidos jamais escolhem os valores culturais que vão assimilando; isto seria a todas luzes impossível, porque não podemos conceber opção em uma criancinha que não conhece sequer o dispositivo simbólico da sua cultura.

g. Determinismo: pode-se falar de um determinismo cultural ao falarmos do comportamento humano; uma criança recebe todo um conjunto de experiências já consagradas pela cultura; tem que aprender o idioma que se usa no seu grupo e comportar-se como o fazem os outros membros da sociedade. No momento em que ela começa a fazer uso das suas faculdades mentais, o faz segundo os valores culturais interiorizados, isto é, baseada na sua cultura aprendida. Mesmo já adulta, a conduta pessoal e consciente do individuo não deixa de ser uma expressão da cultura.
O homem uma vez enculturado, jamais deixara de ser um agente da sua própria cultura. Mas, mesmo assim, na idade adulta este processo torna-se maleável, fazendo um conjunto misturado de formação e reformulação. A cultura penetra toda a vida do individuo, pois ela modela não só o seu comportamento biológico, mas também o psicológico.

Três etapas:
- Infância: aceitam-se todas as mensagens da cultura,
- Maturidade: aceitam-se em função da cultura anterior (ou reformulada);
- Velhice: raramente se aceita uma reformulação, pois a culturas interiorizada esta como cristalizada, tornando-se impermeável à novas sugestões.

ASPECTOS DIACRÓNICOS

Na tradição antropológica poucos são os estudos sobre a mudança cultural, pois até pouco tempo os estudos antropológicos limitavam-se ao estudo de culturas isoladas. Ultimamente estão a aumentar os estudos sobre a mudança desde o ponto de vista antropológico.
Hoje não há povos isolados. A tecnologia moderna está presente em qualquer parte do mundo. E com os seus potentes meios de comunicação social põem em contacto directo os vários povos da terra.
Não é difícil explicar a mudança cultural.
A mudança e o conflito cultural são as características normais dos sistemas sociais, não menos que o equilíbrio e a harmonia. O problema não esta em se achar a harmonia e o equilíbrio, bons para a cultura e a sociedade, e a mudança e o conflito perniciosos. Ninguém pode negar a existência de conflitos em qualquer sociedade. Mas podemos afirmar que aquelas sociedades mais isoladas passam por menor quantidade de conflitos. E quanto mais complexa for a sociedade, maior será a capacidade de absorver conflitos.
Encontramos duas orientações básicas em torno aos problemas da mudança que congregam a maioria dos teóricos do assunto:
- Determinismo económico (orientação marxista);
- Determinismo cultural (M. Webber).

a)Quanto ao determinismo económico, salientamos resumidamente:
- Marx põe em evidência a permanência de conflitos, em qualquer sociedade;
- Os conflitos põem necessariamente dois grupos;
- O conflito é motor da história;
- Factores estruturais de mudança social são: forças exógenas (intervêm do exterior do sistema); e forças endógenas, que são engendradas pelo próprio funcionamento de uma cultura.
b) Quanto ao determinismo cultural, Webber tenta demonstrar como os valores culturais podem determinar um tipo de economia. O que para Marx é causa, para Webber é efeito.

Nós, sem nos inclinarmos para uma outra teoria, registamos ambas posições que iluminam de facto, desde ângulos diferentes toda a questão, ou em parte, da mudança cultural dos povos.

2.1.A descoberta e a invenção
A descoberta e a invenção constituem os pontos de partida para o estudo do crescimento e das modificações culturais e são os fenómenos que promovem a mudança e a transformação da cultura (LINTON). Com estes fenómenos tenta-se responder ao interrogatório de como nascem os elementos culturais.

2.1.1. Compreensão dos termos “descoberta e invenção”

2.1.1.1.Características comuns:
- Ambos termos associam a ideia de novidade;
- Nos dois casos trata-se de elementos originários dentro das linhas de uma determinada sociedade e respectiva cultura.

De facto, reconhece-se as invenções pertencentes a povos diferentes do próprio povo. Reconhecemos invenções chinesas, russas, americanas, etc; pelo que se distinguem os elementos inventados ou descobertos dos elementos tomados de empréstimo, os quais chegam a uma cultura já com formas e funções desenvolvidas.

2.1.1.2.Características próprias
Popularmente fala-se de descobertas, como resultado do acaso; e de invenção, como intencional. Mas esta distinção não satisfaz; pois, põe exemplo, a descoberta de novo elemento químico é fruto de todo um processo deliberado e completamente baseado em motivações.
É mesmo nas descobertas causais, o factor importante o desde o ponto de vista cultural, não é mero reconhecimento de um fenómeno; mas sim a percepção do que este fenómeno implica e a compreensão de seus potenciais de aplicação. Sem esta aplicação de processos, afirma LINTON, a descoberta permanecera uma informação isolada ficando, desprovida de qualquer significação social.
O mesmo autor, apresenta o exemplo de compostos químicos, cuja existência é conhecida, mas para os quais não se encontrou aplicação. São elementos latentes, disse ele, que só se tornarão activos funcionais, quando algum inventor descobrir um meio de combina-los com outros conhecimentos em ordem a produzir resultados socialmente significativos.

2.1.2. Definição
De acordo com LINTON, citado por MARTINEZ (2003:58), descoberta é todo acréscimo do conhecimento. Por sua vez, a invenção é toda nova aplicação do conhecimento.

2.1.3. Explicação
No processo de mudança cultural, é a aplicação do conhecimento – invenção – que tem importância funcional para a cultura, por isso é necessária referirmo-nos a todos elementos activos, desenvolvidos dentro do quadro de uma determinada cultura e sociedade, como sendo invenções.
Toda nova aplicação de conhecimentos exige o exercício de funções racionais que pertencem exclusivamente aos indivíduos. As sociedades enquanto tais, são incapazes de pensar, e, portanto, de inventar. Os indivíduos são os únicos agentes da invenção.
A força que move o inventor pode ser um incitamento interior, o prestígio ou a recompensa. Casos diferentes são apontados para as sociedades de pequena escala e para as sociedades tecnicamente avançadas. Numa sociedade não industrializada só quando surge a consciência de que algumas das suas necessidades não estão sendo solucionadas adequadamente, é que a invenção poderá trazer prestígio ao inventor. Em condições normais tais crises são raras.
Quando uma sociedade se encontra num ambiente natural novo que torna impraticáveis algumas das suas técnicas económicas, a melhor solução é tomar por empréstimo.
As situações de crise, nas quais é mais urgente inventar, são aquelas em que a própria existência da sociedade e cultura está ameaçada: aparecimentos dos Messias, invenções sociais e religiosas, etc.
Todas as culturas incluem exemplos de invenções em todos os campos, pelo menos de pequenas invenções. Isto não se pode explicar pela suposição de que o inventor é um instrumento que a sociedade emprega para satisfazer suas necessidades e a quem recompensa pelo trabalho eficiente. Também não se pode explicar só na base do desejo individual de proveitos económicos ou de prestígio.
O reconhecimento social e a esperança de recompensa são estímulos para a invenção, mas não são todos os estímulos, deve haver mais alguma coisa que reside na psicologia do inventor, que o leva a esforçar-se por produzir coisas novas, independentemente das significações sociais que elas implicam. (Linton, citado por MARTINEZ, 2003:58-59)

2.1.4. O Inventor
Há uma tomada de consciência das deficiências culturais existentes no seio do próprio grupo. E geralmente esta tomada de consciência é assumida por alguém que podemos considerar em certo sentido fora do normal: sobressaem pela percepção das falhas culturais e pelo esforço deliberado utilizado em ordem a superá-las.
Às vezes as invenções não são aceites pela sociedade porque o clima ainda não é propício, não estão criadas todas as condições para a sua incorporação no grupo em questão. Isto demonstra que o inventor não é um agente inconsciente dominado e dirigido pela sociedade. Normalmente na base de uma invenção e do esforço do agente há motivações pessoais e factores grandemente complicados e um conjunto complexo de circunstâncias.

2.1.5. Classificação
De acordo com MARTINEZ (2003:60), as invenções podem ser classificadas na seguinte ordem:

2.1.5.1.Classificação Descritiva
Ø Invenções tecnológicas;
Ø Invenções sociais;
Ø Invenções religiosas.
Há dificuldades em traçar linhas limítrofes nesta classificação, pois umas podem assumir aspectos das outras.

2.1.5.2.Classificação Finalista
Ø Invenções básicas: aquelas invenções que envolvem aplicação de um novo princípio ou de uma nova combinação de princípios. É básica no sentido em que abre novas potencialidades de progresso e se destina, no decorrer normal dos acontecimentos, a tornar-se fundamento de toda uma série de outras invenções.
Ø Invenções de aperfeiçoamento: trata-se da modificação de algum invento anterior levada a termo com o objectivo de aumentar a sua eficiência ou de torná-la aplicável a algum novo fim.

2.1.6. Ambiente Cultural
O conhecimento incorporado em toda invenção provém do ambiente cultural do inventor na sua maior parte e todo o inventor age sobre o património de conhecimentos previamente adquiridos. Tudo o que é novo, afirma Linton (citado por MARTINEZ, 2003:61), provém directamente de outras coisas preexistentes.
Em certo sentido pode-se afirmar que a cultura em que age o inventor limita a sua acção. Certas invenções seriam incompreensíveis fora do ambiente cultural onde surgiram, pelo que a cultura fornece, o que poderíamos chamar, os instrumentos de trabalho e, ao mesmo tempo, controla o rumo da invenção. Em base a este princípio fala-se de interesses culturalmente estabelecidos, pelo que uns povos focalizam certos aspectos e outros, aspectos diferentes.



2.1.7. Selecção/Aceitação
Ø É vitoriosa toda a invenção que a sociedade incorpora no seu património cultural;
Ø Factores dominantes são os interesses da sociedade;
Ø No seu conjunto os factores são complexos e variáveis de sociedade para sociedade;
Ø As invenções mecânicas pelo geral são bem aceites;
Ø As invenções sociais e religiosas contam sempre com uma certa hostilidade, variando o seu grau de sociedade para sociedade;
Ø Em todos os casos, trata-se sempre de um processo lento;
Ø É reduzido o número das invenções incorporadas à cultura e no enriquecimento progressivo de sua cultura, nenhuma sociedade empregou jamais um décimo sequer da capacidade inventiva de seus membros. Pelo que todas as culturas crescem principalmente à custa de empréstimos.

2.2.Difusão
Todo o grupo humano toma por empréstimo mais elementos de cultura que os iniciais, pelo que o fenómeno da difusão da cultura é incontestável.
Nesse processo observamos trocas e permutas, propagação de elementos de uma determinada cultura para outra. Para que tal aconteça é necessário que haja contactos entre os povos. A difusão de valores culturais não ocorre mecanicamente. Não se trata de um processo homogéneo e rectilíneo. São muitos e variados os factores que concorrem para que se dê a difusão de valores culturais.

2.2.1. Definição
De acordo com Linton, citado por MARTINEZ (2003:64), difusão cultural é a transmissão de elementos culturais de uma sociedade para outra.
A difusão contribui inegavelmente para o progresso dos povos e o crescimento cultural da humanidade em dois sentidos:
Ø Estimulando o crescimento da cultura como um todo;
Ø Enriquecendo o conteúdo das culturas particulares.
Com este processo não foi necessário que cada sociedade aperfeiçoasse por si própria cada passo na dinâmica do próprio desenvolvimento cultural.


2.2.2. Princípios
MARTINEZ (2003:64-65) ilustra dois princípios centrais no processo de difusão cultural, que a seguir são apontados:

2.2.2.1.Princípio da Proximidade Geográfica
Em igualdade de condições, os elementos culturais serão adoptados primeiro pelas sociedade que estiverem mais próximas dos pontos de origem de um determinado traço cultural.
Este princípio resulta da necessidade de contacto e de tempo para que um traço cultural seja difundido. Vários exemplos podem ser ilustrados, como o alfabeto: de semitas a fenícios e destes a gregos e logo a romanos e demais povos.

2.2.2.2.Princípios das Sobrevivências Marginais
Ø O traço cultural estende-se às sociedades próximas;
Ø Enquanto se difunde a outras culturas, na origem dão-se modificações;
Ø O traço cultural difundido (traço antigo) continua vivo na cultura onde foi assimilado e desapareceu ou sofreu modificações na cultura de origem.

2.2.3. Disseminação Irregular
A disseminação de traços culturais nunca se dá de uma maneira constante e uniforme e até a disseminação de traços culturais provenientes de uma mesma fonte original tem comummente um desenvolvimento diferente. Por exemplo, o cultivo do milho e a cerâmica. Um grupo intermédio, interposto entre um grupo difusor e um outro receptor, pode tornar-se barreira e até travar a difusão. Pelo que podemos afirmar que os traços culturais se disseminam irregularmente.

2.2.4. Grupos de Elementos
A difusão de um só traço cultural dificilmente acontece. O normal é que difundam grupos de elementos culturais, um traço cultural leva mais um ou outros traços na sua difusão.

2.2.5. Agentes
A difusão exige, segundo MARTINEZ (2003: 66), a presença no processo de um pólo emissor e de um pólo receptor. Ou seja, os agentes no processo de difusão podem ser:
Ø O doador;
Ø O receptor.
O pólo mais importante é o receptor.

2.2.6. Três Fases
a) Apresentação dos traços culturais que exige contacto e estes podem ser:
Ø Completos (por unidades);
Ø Esporádicos;
Ø Isolados.

b) Aceitação dos traços culturais;
c) Aceitação dos mesmos na cultura receptora.

2.2.7. Factores de Influência
a) Factor tempo;
b) Comunicabilidade intrínseca do próprio traço cultural;
c) Os elementos técnicos são mais fáceis.

2.2.8. Dificuldades de Incomunicabilidade
a) Emoções, reacções ligadas a certos padrões;
b) Conceitos não manifestos no comportamento;
c) Valores e atitudes vitais ocultos.

2.2.9. Reacção do Grupo Receptor
a) Liberdade, voluntariedade na aceitação;
b) Factores que controlam a receptividade:
Ø Utilidade;
Ø Compatibilidade com a própria cultura;
Ø Prestígio do doador;
Ø A moda.

2.3. A Aculturação
O termo aculturação pode ser usado como sinonimo de socialização, educação ou condicionamento. Porém, alguns autores preferem usar o termo transculturação em detrimento de aculturação.

2.3.1. Definição
Considera a cultura algo estático e congelado, e as influências de um grupo social sobre outro um processo de desconstrução da identidade, deformação. Está associado à ideia de extinção, descaracterização/desestruturação social, cultural e perda de identidade. Conceito pouco apropriado para o contexto actual, pois pelas correntes antropológicas contemporâneas, a cultura não morre, ela se ressignifica.
São aqueles fenómenos surgidos onde grupos de indivíduos que têm culturas diferentes entram em contacto contínuo de primeira-mão, com subsequentes mudanças nos padrões da cultura original de um dos grupos ou de ambos (MARTINEZ, citando Herskovits, 2003:67).

2.3.2. Generalidades
a) Contactos;
b) Empréstimos mútuos;
c) Grupo dominante.

Em qualquer contacto, todos os povos que dele participam tomam mutuamente emprestado. Uma posição que não aceitasse este princípio, é psicologicamente insustentável. O ser humano e os grupos humanos nunca são totalmente passivos. Até mesmo os escravos e prisioneiros reagem à sua situação de uma maneira eficaz até ao ponto de mudar ou influir na mudança cultural. Há abundantes provas de que resistiram as culturas africanas às investidas dos europeus e da influência directa da vida africana nos europeus que viviam e vivem em África (Fernandez, citado por MARTINEZ, 2003:68).
O termo aculturação não implica nunca que as culturas que entram em contacto se devam distinguir entre elas como sendo alguma delas superior às outras.
A transmissão de cultura dá-se quando dois grupos sociais entram em contacto.
Quando um grupo obriga as mudanças nos modos de vida de um povo conquistado, é chamado grupo dominante. São situações que vão-se repetindo através da história: a dominação maometana no norte de África e em outros países, os Inca do Peru sobre os grupos locais americanos, povos invasores nilóticos sobre os povos agricultores da África oriental e os povos colonialistas de todos os tempos.
A parte o maior ou menor domínio de um povo sobre outro, em todas as situações registadas pela História, elas diferem em grau e não em género quando um povo tentou reger os modos de vida de um outro povo.

2.3.3. Tipos de Contactos
a) Pelo tamanho:
Ø Populações inteiras;
Ø Segmentos;
Ø Agrupamentos menores;
Ø Indivíduos.

b) Pelo acolhimento:
Ø Amistoso:
ü Sem menosprezo;
ü Sem uso da força:
ü Sem domínio político;
ü Sem domínio económico;
ü Abundância de recursos.
Ø Hostil:
ü O contacto hostil não impede o intercâmbio cultural.

c) Pela equivalência:
Ø Entre grupos iguais em tamanho ou entre grupos desiguais;
Ø Entre grupos iguais na complexidade cultural, ou desiguais;
Ø Contactos no próprio “habitat”.

2.3.4. Situações em que se dá a Aculturação
a) Obrigatoriedade ou voluntariedade da aceitação dos elementos culturais de um povo por um outro;
b) Quando se dá a igualdade social e política entre os povos em contacto;
c) Quando se dá domínio de um povo sobre outro povo; podem acontecer três situações:
Ø Domínio político, mas não social;
Ø Domínio político e social;
Ø Reconhece-se a superioridade social de um grupo sem que exista domínio político.

2.3.5. As Culturas ou Traços Culturais Resultantes
a) O elemento emprestado é sempre fundido com o existente; é a dinâmica criadora;
b) O empréstimo é selectivo: os elementos de uma cultura apresentados a outra podem ser aceites ou rejeitados.

2.4. A Desculturação
O fenómeno da desculturação é tido como o aspecto negativo do processo da dinâmica cultural, pois subtrai ou destrói o património cultural.
É neste sentido que Bernardi, citado por MARTINEZ (2003:71), prefere definir a desculturação como sendo simplesmente destruição do património cultural.

2.4.1. Causas
As causas desse processo podem ser internas ou externas. Analisemos, então, as causas do processo de desculturação:
a) Internas: perdas de energia da própria cultura (reduz a força dos indivíduos e da comunidade, e vai eliminando a vitalidade dos traços culturais que, se não houver um processo regenerador, caem em desuso e desaparecem);
b) Externas: crises originadas por contactos culturais.
As crises têm efeitos contrastantes segundo a natureza dos encontros (pacífica, violenta, livre, opressiva ou de qualquer outra forma). Pode-se afirmar que uma novidade que surge em qualquer sector da vida (económico, político, religioso ou técnico) traz consigo inevitavelmente uma quebra da identidade cultural original. Mas a autenticidade por assim dizer pura, tem, de facto, um valor em certo qual senso relativo, pois a cultura movimenta-se, transforma-se, contrariamente feneceria.

2.4.2. Modalidades
1 - A desculturação acontece de maneira imperceptível e lenta, afectando a um ou outro traço cultural. Desta maneira subtil vai mudando o estilo da vida de uma comunidade. Na prática observamos o que já deixou de pertencer à cultura viva e actual de um povo.
Tais fenómenos, por si só, assinalam de facto, o desaparecimento de traços culturais em questão, pelo que se tornam verdadeiros índices de desculturação.
2 – Fenómenos que acontecem de maneira traumática. Tais fenómenos disseminam lágrimas e sangue: episódios de genocídio, extermínio trágico de pessoas, associado muitas vezes ao cálculo programado de destruição de culturas; o comércio de escravos, os campos nazis, os extermínios rácicos actuais …, vergonha da humanidade, de quem os praticou ou ainda os pratica, de quem os aprovou ou ainda os aprova, de quem os consentiu ou consente, de quem os silenciou ou silencia e não protestou ou não protesta.
A doutrina aberrante da superioridade da raça, com a qual se identificava a cultura, era tida como critério absoluto de juízo. Durante o colonialismo em muitas partes da terra muitas das expedições punitivas, ou da assim chamada pacificação dos territórios, eram verdadeiras represálias de extermínio. Os últimos casos de genocídio assinalados nos nossos dias apresentam-se com a mesma gravidade dos tempos passados.

IV. RELAÇÃO ENTRE A ANTROPOLOGIA E A EDUCAÇÃO
A educação assenta sempre na convicção de que o homem detém a capacidade de intervir na sua evolução ou, pelo menos, de a acolher no âmbito do seu sentido antropológico. O que quer dizer que o positivismo inerente as posições behavioristas, quando utilizados explícita ou implicitamente pelas pedagogias prospectivas, se traduz, em última instância, por uma autêntica exponenciação do legado humanista e de todo o seu ideário (CARVALHO, 1998:139).
Tendo em conta a antropologia estuda a história do desenvolvimento humano no seu todo, suas origens, uso e costumes, raça, adaptação, evolução ao meio que são considerados herança social, a educação tem como objectivo observar os programas de ensino adequados para se atingir tais objectivos, a fim de preservar os valores sociais.
No seu livro Psicanálise e Antropologia, Geza Roheim cita o exemplo: “dos Kaigang, vivendo actualmente como nómadas refugiados nas montanhas entre a Argentina e o Brasil, depois de serem expulsos do planalto onde praticavam a agricultura do milho. O traumatismo provocado pela separação do seu habitat «natural» fez dos Kaigang um povo angustiado e desinteressado pelas relações sociais, sendo o suicídio uma prática habitual entre eles” (CASAL, 1996:28).

ANTROPOLOGIA PEDAGÓGICA E ANTROPOLOGIA EDUCACIONAL
Se, de facto, ao surgir como uma antropologia, ela parece inserir-se no conjunto de disciplinas antropológicas próprias das ciências humanas em geral, ao mesmo tempo, o seu carácter pedagógico acaba por lhe imprimir uma face doutrinária, ou, talvez melhor, uma feição normativa de difícil compatibilização com aquelas. Por isso, alguns autores preferem apelidá-la de antropologia educacional o que, resolvendo, em princípio, a dificuldade anterior, vem a gerar, todavia, uma outra: a tirada deste modo, para o terreno das ciências antropológicas e das ciências de educação, eis que sobressaltam as questões ligadas à instabilidade epistemológica destas últimas. Ficam, por outro lado, algumas dúvidas quanto à legitimidade da substituição proposta já que tudo leva a crer que os campos de uma e de outra – da antropologia pedagógica e da antropologia educacional – parecem não se sobreporem e muito menos fundirem-se. Enquanto a antropologia educacional se situa muita mais do lado das ciências, como a sociologia, que estudam a educação como um objecto autónomo e exterior, com fortes contornos sociais e culturais, a antropologia pedagógica surge directamente implicada na construção dos factos e dos discursos educativos, chegando aqueles a decorrer para certos autores, das suas formulações e das suas intervenções. A ideia de uma antropagogia, entendida como uma “ciência prático-normativo da formação do homem” aproxima-se desta última concepção (CARVALHO, 1998:70-71).

RELAÇÃO DA ANTROPOLOGIA PEDAGÓGICA COM A ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA
Quando se organiza nestas condições, a antropologia educacional estuda a vertente educativa inerente aos fenómenos culturais, interessando-se aí, predominantemente, ou pelas abordagens descritivas e pelas análises comparativas (em apoio das planificações educativas), ou pelo estudo da educação como efeito ou acção de enculturação. Em todas as circunstâncias, o estudo dos comportamentos no âmbito das aprendizagens pessoais e sociais, bem como o estabelecimento de regras do método antropológico ocupam uma grande parte das preocupações presentes nos trabalhos de investigação desta antropologia.
Os pedagogos acabarão por encontrar no método antropológico o fundamento de novas atitudes educativas. Uns, vislumbram a educação como um sistema que, percorrendo todas as organizações e agentes sociais, numa dialéctica incessante com os modelos e processos culturais, tem, por isso, de ser apreendido e explicado para ser administrado (CARVALHO, 1998:80-81).


V. CONCLUSÃO

Concluindo o presente trabalho, é necessário salientar que os processos do dinamismo cultural apresentados neste epílogo podem ser estudados em todas e qualquer sociedade viva. Isto é, são processos que ocorrem em todas as sociedades e garantem, sem dúvida alguma, a sua continuidade.
Em suma, pode se dizer que o homem pertencente a uma cultura tem de interiorizá-la para conseguir se identificar nela. Quando crianças, somo induzidos desde cedo à práticas que remontam a necessidade de nós embebedarmo-nos da cultura que nos é inerente, de aprendermos a nossa cultura. Este aspecto refere-se basicamente a enculturação.
Ora, na presente abordagem, pudemos fazer menção de outros dois aspectos bastante importantes na dinâmica cultural: a descoberta e a invenção. Como o homem não é um ser passivo na dinâmica cultural, ele está sujeito a descobrir e a inventar novas coisas que contribuam para o desenvolvimento social. Neste sentido, fica bem patente que a descoberta é todo acréscimo de conhecimento e invenção é toda nova aplicação do conhecimento.
No rolar do epílogo acabamos fazendo também menção da difusão, que seria a transmissão de elementos culturais de uma cultura para a outra.
No que concerne a aculturação, ela implica o contacto de duas culturas pela primeira vez, originando neste contacto processos de mudança social em uma ou ambas culturas. Por outras palavras, aculturação seria o processo de mistura de culturas.
Já no fim do trabalho, deixamos ficar também um conceito muitíssimo importante na dinâmica cultural: a desculturação. Este refere-se ao processo de perda do património cultural, ou seja, a sua destruição.
Foi nesse sentido que esforços foram feitos para trazer a mercê de apresentação do presente trabalho, na ânsia que tenha sido de profunda reflexão em torno da dinâmica cultural e dos processos que nela ocorrem.


VI. BIBLIOGRAFIA

CARVALHO, Adalberto Dias de. A Educação Como Projecto Antropológico. 2ª Edição. Edições Afrontamento. Porto. 1998.
CASAL, Adolfo Yanez. Antropologia e Desenvolvimento – As Aldeias Comunais de Moçambique. Edição Ministério da Ciência e Tecnologia, Instituto de Investigação Científica Tropical. Lisboa. 1996.
MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural – Guia Para o Estudo. Edição Paulinas. Maputo. 2003.
DI NAPOLI, George. Antropologia Sócio-religiosa. Corso della Facoltà di Missiologia. Pontifícia Università Gregoriana. Roma. 1985/86.
BOKA DI MPASI, Londi. Religione e Cultura in Africa. Corso nella Facoltà Di Missiologia. Pontifícia Università Gregoriana. Roma. 1986.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Ensino Tecnico Profissional em Mocambique


1. INTRODUÇÃO
Está a assistir-se, em Moçambique, a uma rápida mudança socioeconómica. Em pouco mais de dez anos, o país deu passos significativos, saindo de uma situação de guerra para uma situação de paz, de uma economia estagnada de controlo centralizado, para uma economia de mercado de crescimento económico acelerado, e de um Estado de partido único para uma democracia multi-partidária. O que Moçambique conseguiu excedeu, de diversas formas, as expectativas da comunidade internacional. Mesmo assim, o país está ainda entre os mais pobres, fortemente endividados e mais dependentes da ajuda externa, no mundo. O desafio de reduzir a pobreza e elevar o nível de vida dos seus cidadãos é enorme, mas as perspectivas são agora mais promissoras do que alguma vez foram na história recente de Moçambique. Reforçar estas perspectivas e assegurar a sustentabilidade social e económica do futuro de Moçambique é a tarefa para a qual o Governo e os seus parceiros de desenvolvimento estão agora a dirigir os seus esforços.
Na prossecução dos seus esforços com vista à redução da pobreza, o Governo de Moçambique coloca no topo das suas prioridades de desenvolvimento o investimento no capital humano, através da educação e formação. Esta constitui o instrumento central para a melhoria das condições de vida e a elevação do nível científico e técnico dos cidadãos e o meio básico para a sua intervenção nas tarefas do desenvolvimento socioeconómico do País e na luta pela preservação da Paz.
Sendo o Ensino Técnico-Profissional uma componente importante do Sistema Nacional de Educação, que tem por missão garantir aos cidadãos o acesso a uma formação científico-técnica, altamente qualificada, para responder às necessidades do desenvolvimento económico e social, a estratégia de desenvolvimento do Ensino Técnico Profissional é parte integrante do Plano Estratégico de Educação. Nela se identificam as opções e acções prioritárias de intervenção do Governo e seus parceiros internos e externos, visando ajustar a formação técnico-profissional aos desafios do desenvolvimento económico do país.


2. RAZÓES DO SURGIMENTO DO ENSINO TÉCNICO PROFISSIONAL
O ensino técnico e profissional surgiu e desenvolveu-se por necessidade do sistema produtivo resultante da revolução industrial durante o século XIX de forma não integrada no ensino clássico e humanista existente verificando-se, até, uma distinção profunda quanto aos conteúdos e fins a que ambos se destinavam e também quanto à origem dos alunos que os frequentavam. Assim, enquanto o ensino humanista era frequentado pela aristocracia e pela alta burguesia o ensino técnico e profissional destinava-se quase em exclusivo às classes populares urbanas ou às classes rurais de maiores aspirações (Rocha, 1987). Estes princípios de correspondência entre conteúdos e necessidades funcionais e entre a sua frequência pelos alunos dos grupos sociais mais desfavorecidos manteve-se ao longo de todo o século XX e disso deram conta vários estudos durante o último quartel deste século.

3. O ENSINO TÉCNICO PROFISSIONAL EM MOÇAMBIQUE

3.1. Política Geral
De acordo com a Política Nacional de Educação e Estratégias de Implementação, promulgada pelo Conselho de Ministros da República de Moçambique (Resolução nº 8/95 de 22 de Agosto de 1995), o Ensino Técnico tem a responsabilidade de formar os operários e técnicos necessários devidamente qualificados, para responder às necessidades de mão-de-obra qualificada para os diferentes sectores económicos e sociais do país. Assim, os cursos técnico-profissionais serão planificados de modo a reflectir as necessidades do desenvolvimento da economia nacional e têm um carácter terminal.
A prioridade, em termos de expansão, centrar-se-á na reabertura das Escolas de Artes e Ofícios e Elementares Agrícolas em razão do papel que as mesmas deverão desenvolver na reactivação do tecido produtivo nas zonas rurais e fixação das populações. Nos outros níveis do Ensino Técnico, será mantida a actual rede de escolas priorizando, no entanto, a introdução de melhorias qualitativas através de medidas que incluam a racionalização da estrutura de especialidades no nível básico e o apetrechamento de oficinas e laboratórios.
Em todas as políticas do desenvolvimento do Ensino Técnico, atenção especial será dada ao incremento da participação da rapariga.

3.2. Objectivos do Ensino Técnico Profissional
A referida promulgação do Conselho de Ministros da República de Moçambique, Resolução nº 8/95 de 22 de Agosto de 1995 (pág. 34), prevê os seguintes objectivos do Ensino Técnico Profissional:
a) Assegurar a formação integral e técnica dos jovens em idade escolar, de modo a prepará-los para o exercício de uma profissão;
b) Desenvolver nos jovens as qualidades básicas de personalidade, em particular, educando-os a assumir uma atitude correcta perante o trabalho;
c) Desenvolver capacidades de análise e síntese, de investigação e inovação, de organização e direcção científica do trabalho;
d) Desenvolver conhecimentos sobre a saúde e nutrição e a protecção do ambiente.

3.3. Situação Actual do Ensino Técnico Profissional
Ao contrário da Educação Geral que, em primeiro lugar, tem por objectivo primordial dar conhecimentos gerais e princípios com uma vasta aplicação, o Ensino Técnico-Profissional está, primeiramente, organizado para permitir a aquisição de competências, conhecimentos, valores e atitudes, os quais são necessários para as pessoas exercerem uma determinada profissão ou ocupação.
Em Moçambique o Ensino Técnico Profissional compreende três níveis: O elementar, o básico e o médio. A duração dos cursos varia de três a quatro anos de acordo com a área ou ramo e o nível. A organização curricular dos cursos técnicos compreende quatro áreas: a formação geral, a formação básica, a básica específica e a de especialidade.
O ensino técnico tem um carácter terminal. Pelo facto de também ter como objectivo proporcionar os conhecimentos necessários para o prosseguimento de estudos, com a actual organização curricular, a componente de formação geral e básica acaba reduzindo as possibilidades de uma maior profissionalização dos alunos.
Até 2001, a rede de instituições públicas e privadas de Educação Técnica Profissional era constituída por 65 escolas e institutos (39 tuteladas pelo Ministério de Educação, 22 por outros ministérios e 10 pertencentes a grandes empresas públicas e privadas).

3.3.1. Problema Central do Ensino Técnico Profissional
Apesar dos esforços desenvolvidos, o país não dispõe ainda de um sub-sistema de Ensino Técnico Profissional que possa responder eficazmente aos complexos desafios da fase actual de desenvolvimento socioeconómico.
Portanto, o principal problema do Ensino Técnico Profissional resume-se no facto do Sub-Sistema não reunir, presentemente, as condições necessárias para satisfazer, quantitativa e qualitativamente, as necessidades actuais e futuras do mercado de trabalho formal e informal.

3.3.2. Principais Causas do Problema Central
As principais causas do problema central são: o limitado acesso dos cidadãos ao Ensino Técnico Profissional, a baixa eficiência, a baixa eficácia e a fraca relevância do sub-sistema.

3.3.2.1. Limitado Acesso dos Cidadãos ao Ensino Técnico Profissional
Os principais indicadores deste problema resumem-se no seguinte:
· A rede de instituições públicas de formação tuteladas pelo Ministério da Educação (39 instituições) absorve pouco mais de 1% da população em idade escolar (31.000 efectivos em 2001);
· Em 2001 concorreram 4.769 candidatos aos cursos de nível médio da rede pública de formação (tutelada pelo Ministério da Educação) e foram admitidos 1.464, os quais correspondem apenas 30,7% dos candidatos;
· A rede de instituições de formação de Ensino Técnico Profissional tuteladas por outros Ministérios e/ou empresas públicas ou privadas (33 instituições absorve cerca de 5000 efectivos em 2001, uma porção insignificante (0.19%) da população em idade escolar;
· Os Cursos de nível médio estão limitados a 6 províncias do país;
· As zonas rurais estão desprovidas de Escolas de Artes e Ofícios e elementares de agricultura;
· Participação da rapariga no Ensino Técnico Profissional quase insignificante (cerca de 20%).

3.3.2.2. Baixa Eficiência
A baixa eficiência é um problema comum a muitas instituições de ensino e de formação em Moçambique, mas o problema é avaliado como sendo particularmente severo no ensino técnico básico.
Os principais indicadores (rede de escolas geridas pelo Ministério da Educação) deste problema são:
· Taxa média de aprovação – 50%;
· Taxa média de repetência – 30%;
· Taxa média de desistência – 20%:
· De 1000 novos ingressos apenas 220 concluem o curso em 3/4 anos;
· Graduados em 2000 representaram apenas 7% dos efectivos escolares.

3.3.2.3. Baixa Eficácia
A baixa eficácia é constatada pela falta de correspondência entre a qualidade dos graduados e os objectivos definidos nos curricula, com maior gravidade em termos de habilidades práticas, particularmente no curso nocturno.
Os principais indicadores deste problema são:
· A maior parte das escolas está desprovida de condições básicas em termos oficinais e laboratoriais. Apenas 8 instituições da rede pública de formação (cerca de 20%) reúnem boas condições para a realização de práticas oficinais e laboratoriais;
· Os estudantes do curso nocturno não têm aulas práticas e laboratoriais;
· O elevado número de alunos por turma (por vezes mais de 55 no 1º ano) não permite a realização de aulas práticas de forma eficaz;
· A falta de livros, manuais e outros meios de ensino-aprendizagem, aliada ao modelo pedagógico tradicional (centrado no professor nos conteúdos e baseado na transmissão de conhecimentos), tem contribuído para a limitada aprendizagem dos alunos.

3.3.2.4. Baixa Relevância do Sub-sistema

Existe um desajustamento entre a procura e a oferta de profissionais, tanto em termos de níveis como em termos de competências e conhecimentos. A situação actual é um paradoxo: enquanto as instituições de formação produzem candidatos com formação pouco relevante para o mercado de trabalho, a um custo relativamente elevado (devido à baixa eficiência), certas competências básicas (fundamentalmente para os sectores da economia, administração e serviços, indústrias de ponta, agro-indústrias e desenvolvimento rural), extremamente necessárias, não estão disponíveis.
A fraca adequação formação/emprego deve-se, em particular, aos seguintes factores:
· Os curricula da maioria dos cursos foram concebidos há cerca de 20 anos;
· Formação orientada quase que exclusivamente para o sector moderno da economia e para o emprego formal onde os postos de trabalho estão pouco disponíveis;
· Formação pouco orientada para a promoção de auto-emprego e de criação de pequenas iniciativas económicas, quer no meio urbano, quer no rural;
· Sistema de aprendizagem na empresa inexistente, limitada formação contínua e aprendizagem tradicional não-potencializada;
· Fraca relação com o mundo do trabalho e com os empregadores. As empresas estão ausentes da gestão das instituições de formação, assim como de todas as fases do processo formativo (desde a concepção à avaliação dos cursos);
· A ausência de informação sobre o mercado de trabalho não tem permitido fazer um ajustamento da oferta de formação à procura de habilidades e competências profissionais;
· Falta de mecanismos que possam promover a adequação, formação/emprego. Não existem serviços de orientação profissional, os estágios em empresas são raros e não se faz o follow up e o feed-back da formação junto do mercado de emprego.

3.4. Estratégias do Ensino Técnico Profissional
De acordo com a Estratégia do Ensino Técnico-Profissional (2002-2011), aprovada pelo Conselho de Ministros da República de Moçambique em 20 de Dezembro de 2001, a presente Estratégia de Desenvolvimento do Ensino Técnico-Profissional em Moçambique, sistematiza as acções prioritárias, com vista a capacitar o sistema de formação para responder de maneira adequada aos desafios que se lhe colocam a equipar os diferentes sectores económicos.
A formação de quadros e de profissionais qualificados a todos os níveis deverá ser resultado de consensos entre o Governo e os parceiros sociais e duma planificação cuidadosa, a curto, médio e longo prazo.
Nesta perspectiva, a formação técnico-profissional deverá contribuir para uma satisfação da procura de habilidades e competências profissionais no mercado de trabalho e de emprego que resulte no aumento dos níveis de produtividade e de rendimento das indústrias, proporcionando aos jovens e adultos, para os quais muitas vezes não existem vagas no mercado de trabalho formal, habilidades e capacidades para desenvolverem pequenas iniciativas de empreendimentos económicos.

3.4.1. Missão
O Ensino Técnico-Profissional tem por missão garantir aos cidadãos o acesso a uma formação científico-técnica altamente qualificada, para responder às necessidades do desenvolvimento económico e social.

3.4.2. Visão
O Conselho de Ministros prevê que, nos próximos 10 anos, o Ensino Técnico-Profissional seja confrontado com a necessidade e oportunidade de transformar a forma como se processa o desenvolvimento da força de trabalho nacional. Sendo assim, a nossa “Visão” é que o Ensino Técnico Profissional desenvolver-se-á e transformar-se-á num sub-sistema:
· Flexível, articulado, inovador, dinâmico, autónomo e sustentável;
· Reconhecido, valorizado e comparticipado por todos os parceiros sociais (Governo, sector privado, sociedade civil e famílias);
· Com capacidade de adaptação e resposta às mudanças que se registam no mercado de trabalho formal e informal;
· Implementado numa rede de instituições de formação prestigiadas, autónomas e equitativamente distribuídas pelo país;
· Acessível a um número cada vez maior de cidadãos em idade escolar e adultos com um maior equilíbrio de género;
· Oferecendo programas de formação flexíveis, que promovam competências profissionais, relevantes e o desejo de aprendizagem ao longo da vida, preparem os indivíduos para o mundo do trabalho (emprego e auto-emprego) e para os aspectos gerais da vida;
· Que contribua para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos de Moçambique e, por conseguinte, para o aumento dos níveis de produtividade e de rendimento dos diferentes sectores económicos e sociais;
· Com um sistema de Avaliação e Certificação apropriado e que corresponda aos padrões nacionais, regionais e internacionais.

3.4.3. Objectivos Estratégicos
A Estratégia de desenvolvimento do Ensino Técnico-Profissional (2002-2011), é parte integrante do Plano Estratégico de Educação (1999-2003) e do PARPA (2001-2005) Por forma a materializar a visão e a missão do Ensino Técnico-Profissional, a estratégia assenta nos três grandes objectivos estratégicos do Plano Estratégico de Educação (Expansão do Acesso, Melhoria da Qualidade de Formação, Desenvolvimento Institucional), a partir dos quais serão desenvolvidas acções que marcarão o processo de transformação do Ensino Técnico Profissional.

a) Expansão do Acesso: Aumentar o acesso às oportunidades de Educação Técnico Profissional a um número cada vez maior de cidadãos e reduzir as disparidades geográficas e de género.

b) Melhoria de Qualidade de Formação: Desenvolver um Ensino Técnico Profissional flexível e articulado, que garanta uma formação científico-técnica de qualidade, orientada para o mercado de trabalho (emprego e auto-emprego), considerando as possibilidades de prossecução de estudos.

c) Desenvolvimento Institucional: Estabelecer um quadro legal, normativo e institucional apropriado para a administração e gestão do Ensino Técnico Profissional, através da criação de mecanismos de coordenação e participação dos parceiros sociais, na tomada de decisões sobre o desenvolvimento do sub-sistema.























4. CONCLUSÃO
A Educação Técnico-Profissional (ETP) é um elemento essencial no Sistema
Educativo, cujo objectivo chave é o de contribuir para a criação de uma força de trabalho qualificada, essencial para reforçar o crescimento económico e tirar os cidadãos e as comunidades da situação de pobreza. As razões incluem aspectos relacionados com o acesso, relevância, eficiência e eficácia, coerência e coordenação.
As preocupações relativamente à relevância espelham as do Ensino Secundário Geral. Os currícula estão em processo de revisão, no quadro da Reforma da ETP, com envolvimento dos empregadores, sindicatos e outros parceiros. Este processo permitirá a adequação dos currículos às actuais necessidades do mercado, colmatando os problemas detectados relativamente à falta de capacidades práticas, como também de exposição a tecnologias modernas, fraca fluência em Português e línguas estrangeiras, e fraca capacidade de gestão ou de supervisão.
O baixo nível de capacidades é também um impedimento para os graduados que queiram optar pelo auto-emprego. Isto é agravado pelas fracas qualificações, em geral, dos instrutores e os melhores, muitas vezes, abandonam o ensino em troca de empregos melhor pagos. Não há programas de ETP alternativos para os que terminam o Ensino Primário ou para grupos de desistentes. As instituições de formação têm pouca autonomia e sofrem de má gestão. Os orçamentos das escolas são insuficientes, e os poucos fundos alocados são, frequentemente, mal geridos.
Como reflexo da fraca eficiência e eficácia, as taxas de repetição, desistência e de insucesso são altas. Acima de tudo, a média das taxas de desistência é de 40-45%, com variações substanciais entre os diferentes níveis e tipos de cursos. Para além disso, muitos alunos entram para os programas da ETP porque não conseguem arranjar vaga nas escolas secundárias normais. A ETP constitui uma alternativa para a obtenção do nível académico. Seria mais eficaz em matéria de custos e, em última análise, mais proveitoso dar vagas a estes alunos nas escolas secundárias.









5. BIBLIOGRAFIA
____ Estratégia do Ensino Técnico-Profissional em Moçambique (2002-2011): Aprovada Pelo Conselho de Ministros da República de Moçambique a 20 de Dezembro de 2001.
____ Política Nacional de Educação e Estratégias de Implementação: Resolução nº 8/95 de 22 de Agosto de 1995. Conselho de Ministros da República de Moçambique.
ROCHA, F. (1987). Fins e objectivos do sistema escolar português de 1820 a 1926. Aveiro: Liv. Estampa.
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segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Os Ritos de Iniciação na Sociedade Moçambicana

Rito de Iniciação

Rito é um conjunto de cerimónias religiosas diferentemente regulados, segundo as diversas comunhões ou em diversas sociedades.

Ritos de iniciação são cerimónias de carácter tradicional e cultural praticado nas sociedades africanas que visa preparar o adolescente para encarar a outra fase da vida, isto é, a fase adulta.

Visam essencialmente a integração pessoal, social e cultural do indivíduo, permite ao indivíduo reunir múltiplas influências do seu meio para em seguida integrá-la na sua maneira de pensar, de agir e de si comportar, o indivíduo participa activamente nas actividades e na vida do grupo que pertence.

Na sociedade moçambicana, os ritos de iniciação não se manifestam de maneira homogénica. Eles variam de província para província, de região para região, de religião para religião, e de sexo para sexo.

O objectivo destas cerimónias é de preparar os rapazes e as raparigas para a vida matrimonial e social e com o rito de iniciação os rapazes e as raparigas têm o acesso a participação e ao conhecimento de certos mistérios.

Ritos de iniciação masculina

Os ritos de iniciação masculino, eles subscrevem-se em realizar a circuncisão e todas as actividades a ela inerentes durante o período de preparação, e ensinando aos jovens tudo o que possa a vir a encontrar na vida e que necessite conhecer para a luta. Alí, aprende-se a sofrer com resignação todos os martírios que lhe infligirem bem como todas as durezas da vida e, até, é-se-lhes ensinado a caçar.

Como decorrem os ritos?

No dia marcado, o jovem em companhia do seu padrinho partem para a mata, segurando uma perna de galinha com uma shima de mapira ou milho que lhe é dado pela mãe.

Ao longo da caminhada para a mata, a marcha é interropida por um grupo de assaltantes mascarados que gritam fortemente para assustar os garotos.

Quando já se aproximam do local escolhido pelo chefe tradicional no meio de uma floresta o padrinho tapa-lhes os olhos e os tambores e apitos rufam para que lhe não oiça os gritos dos outros circuncidados.

«Metem-lhes um pauzinho entre os dentes para melhor suportar as dores.

Nisto o Namuko aproxima-se do garoto a “relampago” e corta o perpucio do circuncidado de uma só vez mesmo que não o atinge não repete.» (1)

A navalha tradicional usada nesta operação é antes levada ao fogo para evitar infecções. Depois da operação o namuko deita-lhes um remédio tradicional para cicatrizar a ferida.

Neste intervalo de tempo, até que a ferida cure o jovem é proibido de comer alimentos salgados, segundo a tradição, infectária a ferida. Neste periodo não pode, tomar banho e nem tocar na água.

É raro que alguem morra por infecção mas quando alguem morre não se comunica a família até acabar o período de incubação todo o grupo regressa a casa.

«A mãe fica a saber da notícia no de “Okuma aluka”, ressurgimento do jovem.»(2)

Moeda/Cabo Delgado

As cerimónias da puberdade dos rapazes chama-se Licumbi e nelas também entram os bailarinos mascarados mapiko.

O chefe da aldeia deve arranjar o curandeiro (Namulo) que será o mestre da cerimónia, e durante a cerimónia o Nalumbo terá o corpo manchado de bolinhas brancas.

Esta festa realiza-se na época seca, escolhe-se este período porque há menos trabalho nas machambas e é um bom tempo para fazer festas ao ar livre e porque os rapazes podem viver melhor no mato durante o período necessário de isolamento. Eles também escolhem esta época do ano por se preparar melhor as bebidas fermentadas e comidas para a festa.

É o Nalungo que faz a circuncisão dos rapazes e fornece o remédio para eles resistirem aos perigos do mato e lhe dá indicações do que podem e não podem fazer durante o Licumbi.

Cada rapaz (Mwali) deve ter um padrinho que lhe acompanhe durante todo o Licumbi e este padrinho chama-se Mbwana, o mwali é conduzido pelo mbwana para a circuncisão e ajuda-o durante o período de isolamento no mato. (3)

Ensina-lhe muitas habilidades para a vida futura tais como; construir casa, fazer armadilhas para caça de animais e tudo aquilo que é importante para a vida matrimonial e social. O mbwana depois de dar estas habilidades, empresta ao seu protegido, uma navalha velha para poder executar o que lhe é ensinado. Quando termina o licumbi o mbwana recebe de volta a sua navalha velha, e oferece uma nova nova ao seu mwali.

Durante as cerimónias, cada iniciado planta uma estaca de qualquer árvore que traz pela 1ª vez que vai para o mato durante o licumbi, num local chamado maûle. Durante o licumbi o namulo impõe algumas proibições tais como: as mães dos iniciados não podem comer carne, não podem tomar banho no rio, falar ou cumprimentar as pessoas e não podem dormir, por sua vez os rapazes também não podem comer carne, nem podem ser vistos pelas mulheres e pelas crianças, não pode atravessar caminhos sem antes esfregar um pouco de areia na testa e no umbigo.

«todas as roupas usadas durante a iniciação são queimadas e os jovens recebem outras novas, queimam também a cabana que usam também durante o rito de iniciação. Pintam seus corpos, enfeitam as pernas com ornamentos feitos por eles próprio, com frutas secas em cujo o interior chocalham as sementes, recebem então o nome novo e abandonam o da nascença, “Nsina nokhani”»(4)

Quando olham o fogo para queimar a cabana que todos partilham os jovens deitam-se de braços no chão de forma a não presenciarem as chamas, porque se eles presenciam as chamas serão estéreis. (5)

Na sociedade Makhuwa

Entre os Makhuwas, são recomendados aos iniciados a fazerem a sua estreia sexual dentro dos primeiros três dias depois do regresso, se não fizerem as estreias dentro deste periodo recomendado pode se tornarem estéreis ou terem uma vida sexual aberrante. (6)

Os jovens regressam em grupo a aldeia recebe-os com grande alegria – Kujuluca, okhuma olukhu, os seus novos membros, no meio de cantares, danças e actos simbólicos que referem a morte da vida da criança e nascimento de um cidadão novo para a comunidade.

Os que já passaram pelo rito de iniciação são proibidos de contar aos não iniciados e as mulheres o que se passou e aprenderam na floresta sob pena de morte se assim o fizer.

Na Zambézia

A circuncisão é feita por indivíduos de sexo masculino em número de seis homens chefiados por um “Rabamoma”, que é um homem corajoso e conhecedor de raízes medicinais, este é acompanhado por uma mulher que prepara as raízes medicinais que dá a tomar aos circuncidados. No final desta operação vão para uma moita esperar a hora marcada, e quando chega esta hora o circuncidado é despido e transportado pelo padrinho (moli) para as operações. Em seguida aparecem dois outros ajudantes a pôr nas feridas um medicamento em pó cinzento, daí são levados para um outro lugar onde são dados de comer, umas colinhas de massa de arroz, mapira, milho,ou mandioca cozida com medicamento oleoso. A partir deste momento os iniciados não usam a sua roupa antiga nem se avistam com nenhuma mulher.

No meio de canções vão para o acampamento (Mussassa), onde ficam até a cicatrização completa que dura de quatro à seis meses. Durante a permanencia no mussassa são lhes ministrados vários ensinamentos por meio de canções com respectivos sentidos, a um responsável de ensino que é uma pessoa versada em muitos assuntos de filosofia tradicional (Emariha).

Cicatrizadas as feridas os iniciados são levados para um ribeiro mais próximo com a finalidade de receber um banho purificador acompanhado do moli, entra na água e o moli mergulha-lhe a cabeça até aos ombros por três vezes, saem juntos para fora. E este é o momento de vida ou morte para os iniciados e chama-se Ohuabamuala-hùguma. No fim, os familiares só poderam saber da morte do seu filho só depois de todos iniciados terem sido entregues aos seus familiares.

Djando (Niassa)

Depois de garantido os requisitos exigidos para a sua efectivação (o pessoal, indumentário e o acampamento) realizam-se cerimónias para entrega dos iniciados a estruturas do djando. Essas cerimónias têm lugar na casa do nakaugo, local indicado para


a concertada do ritmador, seus familiares e outros convidados. Em regra, as ceremónias realizam-se na noite enterior ao dia da partida dos iniciados para ao acampamento, fazendo-se acompanhar dos aloubwés.

No que diz respeito ao pessoal, para além dos próprios iniciados, a estrutura responsável pelo djando é: N’galiba, nakauga, atchitonombe, nampako, aloubwé e n’tchando.

Namuko: é a pessoa responsável pelo acto da circuncisão e pela saúde de todas as pessoas envolvidas na efectivação do djando. O n’galiba é, por definição considerado a pessoa altamente competente e a mais experiente na sua actividade profissional.

Nakaunda: é o supervisor geral do djando. Ocupa-se com recolha conselhos, críticas, observações e recomendações confidenciais dos mais velhos que pela idade avançada podem não querer passar pelo acampamento de djando. Além disso o nakaugo é que nomeia e admite o atchitonombe e nampako. Para ser nampako basta ser o primeiro a tomar a iniciativa de iniciar os filhos, todos os outros que aderem posteriormente sujeitam-se a subordinarem-se ao primeiro que normalmente é que suporta com a maiores despesas de djando.

Atchitonombe: orienta todos os exercícios matinais e decide sobre a reeducação de tudo e qualquer iniciado que comete um erro, na ausência do nakauga o atchitonombe é que o substitui.

Nampako: é a pessoa designada para controlar todas as actividades dos iniciados e dos aloubwé.

Aloubwé: pessoa a quem lhe é confiada a tarefa de acompanhar, directo ou indirectamente, os iniciados. São escolhidos segundo a preferência dos alouubwé. Eles devem receber a comida para os iniciados cujo consenso é sempre colectivo. Caso a comida não seja suficiente, então, guarda-se até que chegue para todos.

Defendem o iniciado é sua responsabilidade quando necessário, no caso de ser condenado a pena maior, informa aos pais sobre o estado de saúde do iniciado. É, também sua função receber dos pais novos nomes dos seus filhos recém-nascidos.

N’tchando: é nomeado entre os iniciados do nakaugo, normalmente é o filho mais velho. O ntchando responde pelos seus colegas durante o tempo de repouso ou de actividades recreativas sob suas ordens, os iniciados não podem maltratar qualquer pessoa que viole o código ritual, pondo em causa os tempos livres.

A vida no acampamento

chegado ao acampamento, os ritmados são submetidos imediatamente a circuncisão, sendo, este, um acto doloroso que acarreta inevitavelmente choros e gritos. Para impedir que aqueles sejam ouvidos por pessoas alheias ao rito, é que provavelmente causaria medo nas crianças ainda não circuncidadas, os alombwé fazem todo quanto esteja ao seu alcance, tocam tambores com maior rigor, dançam e cantam alto. Também tem sido uma prática tapar a face do iniciado para impedir que estes vejam o material usado na circuncisão.

Como tratamento para as feridas causadas na circuncisão, utiliza-se seiva das partes inferiores do cacho bananas ou cinzas de algumas plantas. Esses tratamento é feita no dia seguinte a circuncisão. Findo o processo de circuncisão segue-se a fase de mistificação dos iniciados. Nesta fase o papel mais importante é desempenhado pelo pelos acompanhantes particulares (alombwés) que se encarregam de indagar os iniciados toda uma série de mitos e tabus. A não aceitação de tabus, sempre foi, é tida como fundamento para as penalizações, incluindo as chicotadas.

Para se garantir que não haja fuga de informação sobre o sofrimento a que os jovens são submetidos nos ritos, utilizam-se ameaças de morte d uma pessoa mais importante da família (pai, mãe, tio, irmão, etc.).

Entrega da alimentação

Como vimos anteriormente, uma das funções dos aloubwés é de receber comida dos iniciados. A comida é recebida no posto de controle, onde um ou dois aloubwé se encontram de permanência.

As pessoas que trazem comida, devem entoar no mínimo o por norma uma canção cujo o conteúdo deve ser o tipo da comida trazida. Raras vezes o alombwé, quando vê que um caril foi bem confeccionado não comem todo. Em substituição, fazem molho de carvão e obrigam os iniciados a comerem, ninguém deve recusar-se ou reclamar.

Regresso a casa

Quando falta poucos dias para regressarem para casa, os iniciados vestidos de esteiras de bambo caniço e comandados pelos N´tchando costumam efectuar visitas aos familiares, e durante essas visitas sempre realizam-se nas noites, e cada um dos iniciados presta declarações de como ultrapassou este ou aquele defeito ao mesmo tempo que anuncia o seu novo nome no último dia, queimam todas as cabanas do acampamento, não deixando qualquer vestígio.

Nesta mesma noite os iniciados regressam a casa e é uma noite de festa. Apartir daí os jovens são considerados como homens, devendo gozar de todos os direitos baseados nos contumes por mais jovens que sejam.

Ritos de iniciação feminino

Uma rapariga só é reconhecida como ser completo depois de ter passado pelos ritos de iniciação, estes tem como objectivo a formação de mulheres para enfrentar as múltiplas tarefas do lar nos aspectos de uma futura esposa mãe e produtora de bens materiais em benefício do marido e dos filhos. As mestras ensinam que a menstruação nada tem de anormal, antes pelo ao contrário de que em breve pode procriar.

Sociedade Nhanja

«as raparigas menstruadas pela primeira vez são conduzidas a uma palhota no meio do mato, longe da povoação, e alí entre cantigas e prelecções sub a direção das mestras idóneas aprendem tudo o que uma mulher deve saber nas suas relações com o outro sexo. Durante o período de iniciação, que dura cerca de oito dias, as raparigas não podem ter o menor contacto com estranhos, mesmo do seu sexo, excluindo o contacto obrigatório e indispensável com as mestras. O ruido dos batuques próprio das cerimónias, impedem que o viajante disprevenido se aproxime do recinto. Findo estes ritos, a palhota que as albergou é queimada indo todas as iniciadas banhar ao rio mais próximo, vestindo-se depois, os seus panos mais vistosos e adornando-se com missangas de cores vivas» (7)


Tribo Ahirima

As raparigas iniciadas sentadas cercadas palas mulheres Mais ou menos ébrias com um canto monótono abordando o assunto erótico, ao desenrolar dos cantos as raparigas vão-se despindo ficando nuas tapando teoricamente o sexo com um pano de oito centímetros de largura, segurado atrás e a frente de um cinto de missangas, nestes cantos as raparigas são ensinadas a limparem sempre o semém derramado pelo marido com as mãos depois de um acto sexual, nunca pode usar um pano para tal; mostrar sempre o seu conhecimento ao marido, saber agradecer quando lhe oferece algo, sempre que estiver menstruada deve avisar o marido e nunca pode cozinhar e tocar no sal enquanto estiver menstruada, só podendo fazer após o fim da menstruação e de ter uma ou duas relações sexuais com o marido.(8)

Durante os dias da primeira menstruação, a rapariga esconde-se e nenhum homem pode vela sob pena de ficar cego. Em seguida chama-se a madrinha (Moli), ficando a donzela (Namuali), completamente entregue aos seus cuidados. Ela é fechada num quarto durante seis a sete dias, até passar a menstruação. Só sai acompanhada da madrinha para assistir as várias danças, é ela que lhe prepara os alimentos, sempre sem sal. É ensinada a utilizar ervas medicinais durante o banho, a usar infusões de raízes para dominar as dores, ter cuidado com a sua higiene íntima e vida sexual, a puxar o matís “ithuna” (desfloração dos lábios menores da vagina). Esta operação ritual consiste em queimar rícino (ikurra) e com cinza obtida da mesma fazer-se a dilatação dos lábios menores e do clitóris, até ao ponto de cobrir toda a superfície vaginal, chegando por vezes a atingirem dez centímetros.

Este rirual tem como objectivos:

Ø Provocar sensação no sexo masculino do marido

Ø Tornar-se sexualmente bastante agradável para qualquer homem.

Além de desflorar os lábios menores da vagina, em algumas tribos a jovem é feitas tatuagens nas coxas, no abdómen, nas nádegas, na cara e nas pernas e entregue missangas para passar a pôr nas ancas.

Quando a rapariga sai fora pela primeira vez para tomar banho, toca batuque em sinal de regozijo, mostrando que ela esta pronta para procriar. Podendo casar desde logo, é nesta ocasião que se realiza a Emuali – cerimónia de iniciação só para mulheres. Nenhum homem se aproxima, pois que, mal oiçam o ruido do pequeno tambor usada na dança, os homens afastam-se a correr convencidos de ficar doidos. As mulheres formam um círculo enquanto uma delas “namugo” e a namuali dançam no centro. Uma outra, com uma escultura de pénis, normalmente de madeira, presa na cintura vai também ao centro com a mulher, que la se encontra completamente nua, simulam o acto sexual, dramatizando-o para a jovem namuali. Com as mãos untadas com uma pasta de cinza, misturada com óleos silvestres, a jovem passa várias horas do dia, puxando compassadamente os pequenos lábios. As mulheres acreditam que isto dá grande prazes ao homem e aquelas que não procederem a esta deformação, terão problemas no lar.


Ensina-se a jovem a obediência ao marido, nunca lhe responder de má vontade, aquecer água para o banho, a importância da higiene dos órgãos sexuais femininos e do seu marido apôs as relações sexuais, aceitar relações sexuais sempre que o marido quiser, e agradar sexualmente o marido, torna-se desconselhavel ficar indiferente durante o acto sexual.


Impacto dos ritos de iniciação no sistema educacional em Moçambique

A educação tradicional é uma educação não formal. Ela é dada a criança não lhe permitindo individualizar-se do grupo, visava a formação da personalidade no sentido de dependência no grupo através do desenvolvimento da sua consciência.

Entre os 7 e os 10 anos inicia-se a separação de sexos, o rapaz vive ao lado do pai, enquanto a rapariga ao lado da mãe. É neste período que a criança começa progressivamente a participar nas actividades produtivas da família. A medida que a criança, a separação conforme sexos torna-se cada vez mais nítida, o rapaz começa a ser integrado na intimidade dos homens, enquanto a rapariga, se mergulha no misterioso mundo das mulheres.

Os ritos de iniciação têm lugar por volta dos 10/15 anos e são marcados por acções educativas mais conscientes. É nessa altura que a educação dos jovens é confiada a alguns membros designados pela comunidade, compreendendo os fundamentos da vida social, os valores culturais, costumes e tradições.

Numa estreita ligação com os adultos, os adolescentes aprendem um ofício, são lhes comunicado os principais segredos da família e da tribo. Assim, o adolescente forjado na iniciação é um homem completo, ele tem da sua vida e da sua comunidade uma ideia clara e corrente, sabre o que ou outros esperam e o que deles pode esperar.

A educação tradicional dá ao jovem, um conjunto de conhecimentos utilitários que lhe permitem enfrentar com eficácia e sem frustrações as dificuldades da vida futura.

Actualmente em Moçambique, a educação tradicional não existe no seu no seu estado puro, apesar de continuar presente na comunidade. Ao nível das escolas, particularmente nas zonas rurais a sua presença é notória nas crianças, nas quais se verificam os valores tradicionais veiculados e defendidos pela família.

Por outro lado que se observa actualmente em grande parte dos jovens nas cidades ou vilas, são inúmeros casos casos, de má conduta nas escolas, centros internatos e lares, falta de ética, a aderência a atitudes imorais, o consumo de álcool e drogas, a prática de criminalidade, as infidelidades conjugais, os divórcios ou ainda as insatisfações sexuais dos casais devido a uma educação sexual deficiente, podem ser reflexo da decadência da educação tradicional pura.

Com o reconhecimento e valorização da educação tradicional em Moçambique, o sector de educação vem fazendo respeitar em algumas zonas, a periodização da realização dos ritos de iniciação de acordo com as zonas, de modo a não chocar intimamente com o calendário escolar tomando sempre em consideração e respeito que algumas crianças devem participar nos ritos em pleno período escolar.

­Aspectos positivos

Ø A circuncisão, devido a higiene pessoal que evita possíveis doenças de transmição sexual;

Ø Integração social e formação da pessoalidade do indivíduo;

Ø Educação cívica moral (respeito aos mais velhos, aos lugares sagrados, aos mortos);

Ø Educação sexual e matrimonial.

Aspectos negativos

Ø Os procedimentos para o acto de circuncisão é demasiado doloroso, aliado ao uso de instrumentos cortantes não adequados;

Ø O elevado risco de vida dos iniciados ao mergulhar na água, durante o isolamento ficam a mercê dos animais ferozes e frio;

Ø Preparação da mulher para total submissão ao marido, negando-lhe emancipação;

Ø Educação ao homem para manifestação do poder autoritário;

Ø Não adequação do programa dos ritos de iniciação com o calendário escolar;

Ø Longo período de permanência nos ritos de iniciação para os rapazes;

Ø Separação dos trabalhos caseiros e outros por sexo;

Ø Limitação da dieta alimentar (não consumo de ovos, fígado, moela, etc.).

Factores que podem interferir nos ritos de iniciação

A educação tradicional em moçambique através dos ritos de iniciação é complexo e multiforme devido essencialmente as diversas culturas, como o ilustram as diferentes línguas que abundam, alicerçado pela vastidão do seu território e influência de culturas dos países vizinhos. Assim, podem ser apontados alguns factores que podem concorrer negativamente para a manutenção dos traços culturais tradicionais originais:

Ø Os valores culturais tradicionais são transmitidos de geração em geração através dos mais velhos aos mais novos com base na capacidade de aprendizagem e transmissão via oral de vido a escassez ou não existência de registos escritos. Em cada fase, cada tipo de cultura vai se fragilizando, e a pouco e pouco a originalidade vai cedendo lugar a inovações;

Ø Os interesses relativos a convicções e crenças religiosas que pululam no país, na maioria transportadas gratuitamente do estrangeiro;

Ø O matrimónio conjugal entre uma pessoa que passou pelos ritos de iniciação com outra que não passou pelo rito;

Ø O impacto do desenvolvimento económico, sócio-cultural, que origina a movimentação campo-cidade e vice-versa, devido a implantação de novos projectos de desenvolvimento;

Ø A actual preocupação do governo na divulgação do programa de prevenção e combate as DTS/HIV/SIDA a todos os níveis e os cuidados básicos a ter em consideração para não proliferação da doença orientando, por exemplo, aos procedimentos de utilização de objectos cortantes, até aos médicos tradicionais;

Ø A livre escolha de parceiro(a), para o casamento (Cristão – Muçulmano, Macua – Sena, Maconde – Ronga, Nhungue – Machangana, Negro(a) – Branca(o), etc.).

A Construção da Paz em Moçambique

INTRODUÇÃO

A construção da paz em Moçambique é um trabalho que vem tentar fazer o relato dos acordos que tiveram de ser realizados para que o povo moçambicano alcançasse a “paz”.

Porém, começamos a translinear aquilo a que chamaríamos de conceito de paz, de modo a fazermos uma certa comparação, com a paz alcançada por Moçambique, e chegarmos mesmo a conclusão de que Moçambique alcançou a “paz”, que por tantos países é desejada.

É nesse sentido que, em seguida, tentamos abordar sobre os três acordos mais importantes da história de Moçambique. Referimo-nos dos Acordos de Lusaka, de N’komati e de Roma. Foi assim que demos o nosso contributo investigativo na ânsia de que o mesmo tenha um impacto positivista ou esclarecista para qualquer um interessado em lê-lo. Sem mais, desde já, apenas desejá-lo uma boa leitura.

CONCEITO DE PAZ

Ora, quando éramos crianças, tínhamos a plena certeza que a paz reduzíasse apenas a ausência de guerra. Porém, aquela perspectiva com que se enfeitava a nossa ignorância infantil, despojo vão, vem se desmoronando quando depusemos do ideal à forma transitória e imperfeita com que deparamos ao olharmos os “modus vivendi” da nossa sociedade.

Se paz não é ausência de guerra, então o que será a paz? Verifica-se então a necessidade de espreitar a cada aspecto da vida humana para obter o verdadeiro conceito da paz. É neste sentido que através de exemplos vivos, tentamos procurar a conceitualização da paz.

Numa sociedade onde reina a exploração do homem pelo homem, onde o explorado não é livre, onde “o homem lobo do outro homem”, encontrasse então a injustiça. Pois bem, aqui encontramos dois aspectos que se identificam e se relacionam com o verdadeiro sentido da paz: a liberdade e a justiça. Porque numa Nação onde reina a liberdade e a justiça é possível afirmar-se que está em paz, então sobra-nos definir a paz como um “exercício moral de liberdade e de justiça”.

A CONSTRUÇÃO DA PAZ EM MOÇAMBIQUE

Depois da luta de libertação nacional, a 07 de setembro de 1974 Moçambique dá o seu primeiro passo para a conquista da soberania assinando os Acordos de Lusaka, que consistia numa transferência de poderes entre o Governo colonial português e a Frelimo.

Porém, Moçambique viu-se forçado a encarar um novo acordo, desta feita com a vizinha África do Sul, este que era um acordo de não agressão, que foi assinado nas margens do rio N’komati, e daí onde sugeriu-se a ideia deste chamar-se “Acordos de N’komati”, que foram assinados a 18 de Março de 1984.

Como se não bastasse, esta bela Pátria vê-se novamente perante as tendência sanguinarias da guerra que culminaram com a morte de muitos tios, avós, primos, em suma de muitos familiares nossos. Era então necessário que se chegasse a um acordo que pusesse termo a tanto sofrimento que atormentava este povo caloroso e afecionado. Foi neste sentido que as duas partes, que fomentavam a guerra de desestabilização, nomeadamente a Frelimo e a Renamo, se reuniram em Roma, Itália, para pôr fim a sistema monopartidário e iniciar deste modo o sistema multipartidário, democrático, onde a última voz a ressoar é a voz do povo. Este acordo, conhecido por Acordos de Roma, foi assinado a 4 de Outubro de 1992.

Estão assim lançados os dados que tornaram possível a construção da paz em Moçambique, numa síntese que é por sí só parte fundamental do trabalho.

ACORDOS DE LUSAKA

Devido ao avanço cada vez maior da luta de libertação nacional e ao descontentamento cada vez maior entre os soldados do Exército Colonial e depois ao golpe de Estado em Portugal aos 25 de Abril de 1974, o governo português viu-se forçado a reconhecer que o povo moçambicano tinha direito à independência.

A 7 de Setembro de 1974, o Governo português e a Frelimo reuniram-se em Lusaka, uma cidade da Zâmbia, para assinar o acordo que daria a independência de Moçambique. O documento assinado ficou conhecido como “Acordos de Lusaka”, o qual detém os seguintes pontos:

I. O Estado português tendo reconhecido o direito do povo de Moçambique à independência, aceita por acordo com a Frelimo a transferência progressiva dos poderes que detém sobre o território a todos níveis;

II. A independência completa de Moçambique será solenemente proclamada a 25 de Junho de 1975, dia da fundação da Frelimo;

III. Formação de um Governo de transição nomeado por acordo de ambas partes com tarefa de promover a transferência progressiva de poderes e preparar a independência, assegurar a ordem pública, a função legislativa, promover a não descriminação racial, étnica, religiosa, ou com base no sexo;

IV. Frelimo e Portugal afirmam o seu proposito de estabelecer e desenvolver laços de amizade e cooperação construtiva nos domínios cultural, técnico, económico e financeiro.

Abre-se uma nova página na história das relações entre dois países e povos na cooperação fecunda, fraterna e harmoniosa entre Portugal e Moçambique”, foram com estas palavras que culminaram os acordos, palavras estas que serviram de encorajamento para o povo moçambicano.

A assinatura destes acordos veio reforçar o sentido que se tem da soberania de um Estado. Estes acordos permitiram que o povo moçambicano podesse aspirar a democracia que por nós é vivida hoje.

ACORDOS DE N’KOMATI

Após 20 anos de guerra de agressão imposta pelos inimigos da nossa independência e da nossa revolução, o Governo moçambicano, que tanto sonhava com uma boa vizinhança entre os dois povos, iniciou nos princípios de 1984 uma série de contactos diplomáticos com a RAS que culminaram com a assinatura do histórico Acordo de N’komati, a 18 de Março de 1984, pelo Primeiro Ministro sul africano, Peter Botha, e pelo primeiro Presidente da República Popular de Moçambique, Samora Moises Machel, na fronteira comum entre a República Popular de Moçambique e a República da África do Sul nas margens do rio N’komati. Daí o nome com que ficou conhecido.

Este acordo resulta da nossa política de paz e de coexistência pacífica entre os Estados vizinhos, resulta também da necessidade de garantir uma paz duradoira entre os dois países vizinhos.

Este acordo traduzia-se na prática como um pacto de não-agressão, não-ingerência e respeito pelas respectivas soberanias, “um pacto entre Estados e não entre partidos ou regimes”, disse Samora Machel na sua abordagem.

Neste acordo estão os princípios fundamentais que orientam os dois países, que são:

  1. Proibir e impedir a organização nos respectivos territórios de forças não regulares ou bandos armados, incluindo mercenários que se proponham realizar acções de violência, terrorismo ou agressões contra os respectivos países e habitantes.
  2. Proibir a concessão nos seus respectivos territórios de qualquer facilidade de ordem logística para a realização das acções referidas na alínea 1.

Este acordo era para que fosse possivel a coexistência sadia, e promover o respeito mútuo, as relações de boa vizinhança para que o futuro se liberte da violência e da destruição. No discurso do então Presidente de Moçambique, Samora Machel, dentre vários aspectos fora a vontade de acabar com os conflitos gerados pelos complexos de superioridade que era patente estancando os conflitos e a violência entre os dois países, era condição para a paz em toda África Austral. Samora Machel, estava convencido ainda que não só terminavam com a dominação, com os conflitos, com a violência, para obter a paz, mas que devia continuar na luta contra a fome, a doença, a miséria e contra o desenvolvimento para haver a paz interna. Num pequeno extrato do seu discurso podemos ler “... somos um continente de sobreviventes. Sobrevivemos a escravatura, sobrevivemos as guerras de conquista, sobrevivemos a brutalidade da opressção quando podemos ser donos dos nossos próprios destinos. Por isso estamos bem contentes do valor da paz, da necessidade de respeitarmos as heranças que videm...”.

ACORDOS DE ROMA

Durante 16 anos, o nosso país esteve envolvido numa das mais sangrentas guerras da sua história. Esta guerra, que opôs o Governo e a Renamo, destruiu estradas, pontes, lojas, escolas, hospitais, matou mais de um milhão de pessoas e milhões de outras fugiram do país em busca de refugiu nos países vizinhos ou concentraram-se nas cidades, em busca de condições mínimas de segurança. Para pôr fim a este conflito, foram assinados os Acordos de Roma, ou Acordo Geral de Paz (AGP).

O Acordo Geral de Paz foi assinado em Roma a 04 de Outubro de 1992 por Joaquim Chissano, Presidente da República de Moçambique, e por Afonso Macacho Marceta Dhlakama, Presidente da Renamo, na presença de mediadores e de importantes delegações estrangeiras.

O processo de pacificação de Moçambique

Quando um grupo de cidadãos, cansados das desgraças que a guerra trazia ao país, decidiu contactar o Governo e a Renamo apelando ao início de um diálogo que conduzisse a paz, deu-se início ao processo de pacificação.

Do grupo de cidadãos que tomaram esta iniciativa destacaram-se os bispos Católicos de Moçambique, que escreveram vários textos apelando a reconciliação nacional e ao fim da guerra. D. Alexandre, cardeal de Moçambique, e D. Jaime Gonçalves, arcebispo da Beira, foram os protagonistas nesta missão.

Para além dos bispos Católicos, os esforços em busca de paz foram realizados por outras confissões religiosas, como o Conselho Cristão de Moçambique e a Comunidade Muçulmana, e por alguns líderes de países vizinhos e amigos, nomeadamente Zimbábue e Quénia.

As conversações entre o Governo e a Renamo tiveram início em 1990, na cidade de Roma, sub mediação dos bispos Católicos de Moçambique, da Comunidade de Santo Egídio e o Governo italiano.

Duas delegações levaram a cabo as conversações: a delegação do Governo, chefiada pelo actual Presidente da República de Moçambique, Armando Emílio Guebuza, e a delegação da Renamo, chefiada por Raúl Manuel Domingos.

O conteúdo dos Acordos de Roma

O Acordo Geral de Paz (AGP) de Moçambique é composto por sete documentos chamados protocolos: protocolo I (dos princípios fundamentais); protocolo II (dos critérios e modalidades para a formação e reconciliação dos partidos políticos); protocolo III (dos princípios da lei eleitoral); protocolo IV (das questões militares); protocolo V (das garantias); protocolo VI (do cessar-fogo); protocolo VII (da conferência de doadores).

O Significado Histórico dos Acordos de Roma

O AGP, celebrado no dia 4 de Outubro, tem um significado histórico muito importante para todo o povo moçambicano. Esta data representa a coragem que o nosso povo teve para abandonar as suas diferenças políticas e chegar à via do diálogo para o bem de todos.

Muitos países do mundo, por não conseguirem encontrar por si mesmos soluções pacíficas têm procurado seguir a experiência do nosso país. A manutenção da paz em Moçambique só foi possível porque o povo demonstrou uma elevada capacidade de perdão mútuo, mantendo um diálogo construtivo.

Este acordo foi testemunhado pelas seguintes personalidades:

1) Presidente da República do Zimbábue - Robert Mugabe;

2) Presidente da República do Botswana – Quett Masire;

3) Vice-Presidente da República do Quénia – George Sackolo;

4) Cardeal de Maputo, D. Alexandre dos Santos;

5) Professor Andrea Ricardi

6) Arcebispo da Beira e observador do processo de paz D. Jaime Pedro Gonçalves;

7) Bispo da Igreja Anglicana de Moçambique, D. Dinis Singulane;

8) Raul Domingos e Armando Guebuza.

CONCLUSÃO

O povo moçambicano sofreu bastante para comungar a paz que hoje vive. Porém, foi com muito esforço e muito sangue derramado que este povo conseguiu atingir a sua independência, para conseguir a sua soberania. Mas mesmo assim viu-se implicado em outros confrontos que os levaram a descrença, em tempos de fome e de loucura, e este belo povo lutou para que os filhos, os filhos de seus filhos, os filhos dos filhos de seus filhos, até a última geração que aqui existir, viva a paz numa tranquilidade que por muitos é invejada.

A conclusão que se pode tirar desta pesquisa seria apenas de perseverança que um povo tem de ter para alcançar a paz. O exemplo de Moçambique é um exemplo que os demais países em guerra deveriam tomar para alcançar a paz, o diálogo. Foi com esse diálogo que se tornou possível o silêncio das armas e ouvir-se, pela primeira vez, a voz do povo, de ouvir da boca deste o que ele precisa para ser feliz, a paz.

BIBLIOGRAFIA

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